domingo, 4 de março de 2012

Entre Ondas

A onda molhou meus pés e a sensação fria correu pela minha coluna, me arrepiando. Ergui meu braço e vi os pelos claros arrepiados.

“É lindo, não é?” – ele perguntou e eu o encarei por alguns poucos segundos, necessários para eu entender que ele se referia ao mar à nossa frente.
Era imenso e estava tão calmo lá, bem no fundo, onde o oceano se juntava com o céu branco, cheio de nuvens cinza e uma neblina rasa mais abaixo.

Sim, era lindo, mas não houve necessidade de respostas, nunca houve.

Estávamos calados há bastante tempo, só olhando e admirando, recebendo as ondas fracas que se chocavam contra os nossos pés descalços, nos desequilibrando de leve enquanto a areia vinha e voltava arrastada pelas ondas espumosas.

Senti a necessidade de falar algo. Qualquer coisa que cessasse aquela ansiedade, aquele nervosismo. Acabar com aquele silêncio calmo como o som das ondas ou tranquilo como o céu branco neve, mas eu não tinha o que falar.

Parecia-me, também, que quando eu fosse falar eu teria que pigarrear para continuar. Não me importei e disse a primeira coisa que me veio à cabeça:

“No que” – limpei a garganta – “No que você está pensando?” – perguntei.

Ele franziu as sobrancelhas no mesmo momento em que se virou para mim. Seus olhos castanhos com íris maiores que o normal mostravam confusão enquanto ele inclinava a cabeça de leve.

Ele era adorável.

“Não agora, naquela hora” – expliquei, voltando a olhar o oceano. Mas logo voltei a encará-lo. Ele era bem mais alto que eu e para olhá-lo nos olhos eu precisava inclinar ligeiramente a cabeça para cima. 
Me perguntava, afinal, se ele reparava que meus olhos ficavam mais claros assim, com toda a luz daquele enorme céu sobre eles. – “Sempre pensamos em algo enquanto observamos uma paisagem bonita…”

Ele suspirou e eu esperei. – “Primeiro eu pensei em História” – ele soltou uma risadinha pelo nariz e eu continuei esperando. – “Quando as pessoas pensavam que a Terra era quadrada, mas depois eu pensei se havia alguém na mesma situação que a minha, se perguntando a mesma coisa.”

“Se perguntando se” – hesitei – “existem alguém na mesma—”

“Não” – ele me interrompeu. – “Se no final estamos sempre sozinhos. Se um dia eu encontro alguém em quem eu consiga confiar...” – explicou, suspirando de leve enquanto fitava seus pés – “se perguntando tudo isso na beira da praia, sozinho com seus pensamentos.”

Ele era adorável, repeti para mim.

“Você encontra” – disse – “você encontra sim.” – repeti como se isso fosse dar mais verossimilhança à frase.

“Às vezes, acho que sim, e, às vezes, acho que não” – ele murmurou como se estivesse me contando um segredo. Sua voz baixa enquanto uma ave piava ao longe, talvez uma gaivota. – “É muito complicado essas coisas…” – sua voz ficou mais baixa, quase mais baixa que o som das ondas – “Meus avôs estão juntos até hoje” – disse e por um momento seu olhar desenhou uma rota até o fim do oceano, onde ele se encontrava com o céu e parecia que caso seguisse reto, ele chegaria lá, onde ninguém alcança, onde todos sonharam em estar quando inocentes. – “Mas meus pais não” – concluiu e seu olhar se perdeu, como se o lugar onde ele estivesse prestes a chegar desmoronasse à sua frente. 

“É complicado...” – respondi, tentando ajudá-lo em suas questões escondidas em lugares profundos dentro dele. – “Mas… pode parecer besteira, mas, às vezes, eu sinto demais” – murmurei baixinho, meio com vergonha de confessar esse tipo de sentimento que eu tenho. – “E na maioria das vezes que eu estou com você, eu sinto que você vai ser feliz” – ele sorriu timidamente, uma mistura de emoção e embaraço. – “Você é o tipo de pessoa que merece isso.”

Ele me olhou e eu o olhei, e por mais que ele fosse maior que eu, eu o sentia tão pequeno, e choroso, e inocente. E ele desviou o olhar, ainda sorrindo de leve, talvez feliz por estar esperançoso, otimista. Nem que fosse apenas por um curto momento.

Voltei a encarar aquele ponto bem distante que parecia inalcançável para quem observa da beira da praia, mas ele me chamou a atenção.

“Oi?”

“E no que você estava pensando?”

Respirei fundo. Abri a boca, mas voltei a fechá-la quando novamente uma gaivota piou ao longe. As ondas ficando cada vez maiores e mais fortes na mesma proporção que o vento pegava mais velocidade.

“Eu me perguntava o que você sentia” – encarei-o de volta. Se os olhos dele fossem castanho-esverdeados, eles estariam verdes agora. – “Eu não quero que você se sinta mal, nem quero que você sofra.”

Ele voltou a fitar seus pés e eu os olhei por curiosidade. Uma água-viva flutuava perto deles e ele se abaixou para pegá-la daquele jeito certo que não queimava a palma da mão. – “Noventa e oito porcento de água, hum?” – ergueu os olhos e me encarou e eu fiz o mesmo e o encarei. – “É como se” – ele hesitou, meio em dúvida no que falar – “elas fossem o seu próprio habitat” – semicerrei os olhos, não entendendo o que ele queria dizer. – “Como alguém poderia se sentir sozinho assim? Vazio? Como se não pertencesse ao lugar ao qual vive?” – ele me perguntou e eu sacudi a cabeça de leve. – “Como alguém não poderia?” – ele soltou uma risada amarga e se agachou, sentando-se na beira da praia no exato momento em que uma onda chocava-se contra meus pés e as tíbias dele.

Olhei para ele em confusão e ele deu dois tapinhas na areia ao lado dele. Olhei para as ondas que voltavam, para o ponto inalcançável e para o céu –  que parecia se acabar exatamente naquele ponto apenas para se transformar em água – sendo riscado por duas gaivotas voando em círculos.

Por que não? Me sentei.

“Isso é um saco…” – ele murmurou, ainda com a água-viva na mão.

“Eu sei” – concordei meio reticente. – “Sabe…” – disse, mas me calei. Eu sentia frio agora que da cintura para baixo, tudo meu estava molhado.

“O quê?” – ele disse, despejando a medusa na água.

“Conheci alguém” – disse de volta e ele me olhou estranho. – “Eu acho que estou gostando de alguém” – expliquei.

Ele me olhou surpreso, virando-se de frente para mim. – “Quem?”

“Eu não sei o nome dele” – murmurei. – “Na verdade, ele não deve nem notar a minha existência...” – olhei para ele e novamente ele me olhou estranho, confuso. – “Eu só o observo” – suspirei.

“Então como você pode dizer que está gostando dele?” – sua voz soou alta demais para meus ouvidos, era como se ele estivesse gritando que eu era superficial.

“É algo na voz dele, na calma que ele aparenta ter” – comentei, estranhando somente agora eu estar gostando de alguém que fosse calmo – se é que ele fosse isso. – “E quando ele olha para mim” – sorri amargamente, desviando meu olhar, repousando a lateral do meu rosto em meus braços cruzados sobre os joelhos – “eu sinto que ele sabe que me conhece de algum lugar. Sabe… desconhecidos íntimos?” – perguntei, olhando para ele. – “Talvez se eu o conhecesse melhor, eu não gostasse dele, ou não sentisse tudo o que eu sinto quando eu o vejo agora... talvez tudo isso acontecesse, mas talvez não, e é por isso que eu prefiro não me arriscar. Eu prefiro ficar aqui, de longe, observando-o e sentindo todas essas coisas. Todas essas coisas que eu sempre quis sentir” – murmurei, fechando os olhos enquanto a imagem dele me vinha em mente como nas tantas outras vezes que eu me forcei a imaginá-lo. – “O jeito como as coisas que eu acho feias ficam bonitas nele quase me assusta, às vezes.” – disse mais para mim do que para ele, quase um sussurro de voz rouca. – “Você me acha idiota por isso?” – perguntei, abrindo meus olhos e encarando-o. Ele tinha uma expressão tão triste e piedosa que me fez sentir insegura e pequena.

“Não” – ele disse – “tudo bem em fugir, às vezes.” – e ele se aproximou de mim, passando seus braços sobre os meus ombros e me puxando mais para perto. Deitei minha cabeça na curva entre seu ombro e pescoço e suspirei, abraçando-o de volta.



  • 10/09/2010

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