sábado, 30 de junho de 2012

Passagem de uma Noite Austera


Na TV, um documentário biológico sobre o corpo humano. O que a respiração e a falta dela causam. O garoto batuca a cigarro no cinzeiro, exala a fumaça e prende a respiração. Seu coração acelera mais rápido do que esperava, seu peito começa a doer e trinta segundos mais tarde, ele está exalando como se tivesse corrido uma maratona.

De repente, o canal sai do ar – deixando-o um eterno ignorante quanto ao que acontece no pulmão de um fumante. A TV fica estática, mas ele vê os pequenos grãos negros formarem caminhos na tela branca e se embolarem até ele perder a noção. São grãos negros ou são brancos? Sente sua boca semiabrir, como se sua língua tornasse-se ligeiramente mais grossa e pesada. Ele se inclina para frente, apoiando os cotovelos sobre os joelhos, ele quer descobrir se—

“O que você ‘tá fazendo?”

Um sobressalto que quase o faz pular para fora do sofá e cair sobre o tapete fofo que seus pés esmagam e seus dedos acariciam.

“Eu queria saber se—”

E ele descobre que o que ele queria saber é estúpido demais para se falar. Assim, encarando seu olhar de impaciência, um revirar de olhos à esquina do presente, o garoto desiste de dizer algo.

E o outro bufa. E revira os olhos. E murmura algo que à direita do sofá é impossível de se entender, mas o tom de voz conota tantas coisas que um dos corações presentes no cômodo dói, apertado demais entre a caixa torácica. A respiração acelera e a vista embaça. Dedos se contorcem nos pêlos macios do tapete e no estofamento nodoso do acento.

Na tentativa de se acalmar, acende outro cigarro entre os dedos trêmulos por causa do alto nível de cafetina no sangue e inspira. E inspira mais fundo, até que seus pulmões doam e nenhum oxigênio ou fumaça sejam capazes de passar por seus brônquios. Ele prende a respiração por alguns segundos, saboreando o ardor nos pulmões e na garganta, percorrendo um caminho morno tão íntimo quanto intocado.

Ele não sabe se já se passaram trinta segundos, mas seu peito volta a doer, então ele expira todo o oxigênio e fumaça, que faz um longo, curvilíneo, tortuoso e translúcido caminho perolado à sua frente. Da cor dos ossos em raios-x.

“Você vai acabar tendo um ataque cardíaco” – e pela primeira vez naquela noite monótona e quieta, inquietante, ele ouve algo que se parece com preocupação. Tem um quê disso. Uma linha tênue que cria uma teia ao redor de seu coração, aprisionando-o, puxando-o em direção a algo que em sua cabeça é necessário ser seguido. – “Parece que quer morrer logo de uma vez. Mas eu sei que você não teria coragem.”


E de repente, o enlaço fica mais frágil. A teia tem uma espécie de debate. Ela não pode puxar, pois assim arrebentaria, mas ela não pode simplesmente continuar lá, em uma infinita inércia. O sentido e a necessidade se perdem durante o caminho.

“Eu teria.”

“Não, você não teria.”

E do jeito que é falado é quase como um apelo. E ele se vê perdido e desamparado e confuso quanto ao seu rumo. Nunca nada faz sentido em seus percursos.

“Não sou suicida” – diz. E não sabe o porquê, mas sente que é necessário apontar isto. Ele não é. Ele não diz, contudo, que ele já pensara sobre, ou que já tivera vontade. Ou como ele sempre pensa. Ou como ele sempre acha que esta é a solução de seus problemas. E ele não menciona que uma vez ele se escondeu embaixo da cama e chorou tanto, mas tanto e o dia todo que a única coisa que o impediu de buscar uma faca e acabar com a sua vida bem naquele momento foi a vergonha de encarar as pessoas. Porque ele não estava sozinho, nem nunca estaria.

“Eu sei que não.”

Um silêncio se instala. E ele é leve, calmo e sem exigências. Como o silêncio antes de ir dormir depois de um dia cansativo. A TV continua na estática, jorrando uma iluminação prateada sobre os dois, o sofá e o restante da sala. Um traga o cigarro longa e pensativamente, olhando fixamente para a tela. Olhar perdido.

E então ele começa a se lembrar de tantas coisas que se mesclam a outras e no fim, ele não sabe mais por que começou a pensar sobre aquilo, mas agora ele está pensando. E de repente, a atmosfera está mais pesada. Seu peito dói mais e o cigarro pesa entre seus dedos. A fumaça começa a sufocá-lo, o colarinho da sua camisa o enforca lentamente e ele se remexe, e o puxa, tentando esgarçar a blusa e obter um pouco mais de oxigênio, mas nada funciona. As palavras relembradas o sufocam como se tivessem sido ditas um segundo atrás. Dói e machuca tudo o que toca, e queima, e arde, e é agonizante. Agonizante porque ele sabe que é verdade, ele sabe que nunca mudará, ele sabe que nasceu assim, então aquelas palavras o prendem a uma predestinação dolorosa, a uma vida que ele sabe estar preso. E isso o machuca mais que tudo, porque ele é. Ele é e não há nada que vá fazê-lo deixar de ser.

Suas mãos estão apertadas de encontro ao sofá nodoso. Ele se força a abri-las, a desenterrar as unhas da carne esbranquiçada da palma das mãos. Força-se a se esquecer de que a todo o momento, ele o olha e diz coisas como se—

“Eu fosse uma aberração.”

O sussurro é tão baixo que as palavras saem desengonçadas, roucas e quebradas de sua boca. Ele exala mais fumaça de seu cigarro e fecha os olhos. A estática da TV não é mais interessante. Nada mais é. Ele odeia esses momentos. Quando nada parece ser certo. Quando uma coisa leva a outra e a outra, e tantas outras coisas levam a vários caminhos, cada um mais tortuoso, e humilhante, e doloroso que o outro e nesses momentos ele só quer se trancar no quarto, encolher-se debaixo das cobertas e chorar porque nada mais faz sentido. Só a dor. Porque a dor existe e explica tudo. A ardência, o sangue, a cicatriz, tudo é mais simples.

“Quê?”

Sua voz é afiada como uma faca e o faz encolher-se tanto quanto.

“Pensando alto...”

“Em quê?”

“Em nada.”

“Você faz isso de propósito” – e mais lembranças vêm à tona, porque ele nunca esquece ofensas. Aonde quer que vá, elas são levadas também. Chega ao ponto em que ele percebe não se lembrar da maioria dos acontecimentos, mas apenas das sensações de ódio, ira, tristeza, decepção, rancor. Ele as cataloga pelo nível de tristeza em que elas o colocaram. O resto é esquecido: onde, porquê, como, quando. Não importa. O que resta são as mágoas. – “Você só quer atenção.”

“Não quero.”

“Claro que quer.”

Outro cigarro é aceso e—

“Você não sabe fazer outra coisa além de fumar não?”

Uma de suas mãos procura pelo controle remoto. Qualquer coisa que desvie sua atenção. Ele respira fundo o ar poluído do cômodo.

“Quer saber?” – pergunta, olhando para as mãos trêmulas. – “Quero ficar sozinho.”

Pequeno momento insípido no qual ao seu lado só há um ar de inquietação e surpresa.

Whatever, man.”

E somente um deles se levanta, movimentando o sofá de leve. Isso o faz se sentir tão pequeno e frágil, ele não entende o porquê disso. Talvez por lhe lembrar de que no final, a única coisa que lhe resta é a solidão, com ninguém por perto pra consolá-lo porque todos foram embora.

“Só lembre que eu penso no seu bem.”

As palavras sobem à sua garganta com uma facilidade quase programada, mas elas são naturais, tão naturais que seus lábios se partem para pronunciar a primeira delas, mas ele se impede de dizê-las. Você não pensa em nada.

Outro silêncio se faz presente. Um mais denso e perturbador. De um lado, cheio de palavras não ditas, do outro, cheio de palavras que não conseguem formular uma frase. O último morde o lábio, pestaneja, troca o peso de perna, não sabe o que fazer. Até que ele desiste e sai pela porta de entrada.

A teia se enfraquece; tão frágil e ínfima que ele se pergunta como ela resistiu por tanto tempo. Como ela ainda resiste apesar dos pesares. Tão raquítica que seu coração começa a se tornar insensível à sua presença. E o caminho ao qual ela o leva, já não tem mais importância. Em suas prioridades, ele é secundário. Mas sempre estará lá. Uma força constante que o guia sempre a uma direção rochosa e sinuosa, de trilha incerta. Sempre se fortalecendo por palavras impensadas que vêm do fundo da alma, do coração. Sempre levando a um lugar no qual haja a promessa de redenção. Mas tornando-se fraca por palavras impensadas e rudes, verdadeiras – porque nada machuca mais que a verdade. Palavras cuja origem vem da percepção. Palavras que tem o poder de te levar aonde você não quer ir, aonde não tem volta depois de frequentado. Seu âmago.
 A todos que "acreditam" em mim.

Villainy


The beauty in villains is that they know they're totally fucked up. They realize it and come to accept that that is the way they are. They don't fight their flaws. They embrace them and become stronger, for they know there's no point in fighting against their own nature.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Disregard


I felt like watching the whole world burn. Like I didn’t belong and then it was only me. Me against the world, because no matter how hard I tried, how hard they tried, it’d always be just as it is: a loner wondering through everything that makes earth, every corrupt floor, every pure leaf fallen from a tree. A loner trying to make them feel what she feels, what she says, why she acts like this and like that, why she keeps hiding, lying, pushing people away. Until she’s tired… and then everything’s shut down. No matter how I wanted, I could never let anyone take that feeling away from me. No one I have met could and I was beginning to believe I wouldn’t ever meet someone that was able go past the façade. That would eventually walk in into those tortuous, twisted path that lead to the core of something no one had reached so far, something that even I was scared of. Something that was pretty much fucked up, and confused, and complicated. My spirit, my soul, my heart. Whatever you call it. I mean this that makes us what we are. What we fear, what we hide and why, why this and why that. Why everything. So I came to the hopeless place – one step farther into the labyrinth no one could reach – where I was convinced I was alone in the whole world, because would it matter if I had thousands of people in my life, but trust no one? It wouldn’t, would it? Only shallowly and I was never one to care about shallow. Nothing that couldn’t give me a headache for thinking too much, or reach me in some level of my loneliness, or I don’t know, make my life goes upside down was worth my while. I was like a masochist. Always seeking something that could make me retreat even more, but reality was: I was trying to get used to the fact I wouldn’t change ever, and that there were people like me. People who had struggles and would never overcome them. People who were outsiders and had never met the one who’d make them feel normal. My whole life was spent in trying to achieve conformism, instead of trying to change. Isn’t it… mortifying? Yes, it is. And it ultimately led me to the watching the whole word burn, because then I understood I simply didn’t care about it. I was lost and hopeless. I couldn’t bring myself to worry about what could happen to me or to anyone. I was lacking of empathy. A certain kind, because I still had feelings, I still felt pity for some people. Or restrained love for others. But is it what we should feel? It’s pathetic. I was watching everything burn into reddish little pieces until everything was charcoal and ashes. And although I cared…



I didn’t.