terça-feira, 26 de abril de 2011

Limite Branco


"Sinto-me terrivelmente vazio. Há pouco estive chorando, sem saber exatamente por quê. Às vezes, odeio esta vida, estas paredes, essas caminhadas de casa para a aula, da aula para casa, esses diálogos vazios, odeio até este diário, que não existiria se eu não me sentisse tão só. O que eu queria mesmo era um ombro amigo onde pudesse encostar a cabeça, uma mão passando na minha testa, uma outra mão perdida dentro da minha. O que eu queria era alguém que me recolhesse como um menino desorientado numa noite de tempestade, me colocasse numa cama quente e fofa, me desse um chá de laranjeira e me contasse uma história. Uma história longa sobre um menino só e triste que achou, uma vez, durante uma noite de tempestade, alguém que cuidasse dele."

— Limite Branco - Caio Fernando Abreu


quarta-feira, 20 de abril de 2011

Utopia

Não há motivos para odiar a espécie que se é. Quero dizer, somos assim e somos o mesmo. Somos hipócritas. Somos tudo o que é de ruim. Somos os próprios defeitos que são inerentes a nós. 

Somos assim sim, vamos nos decepcionando com essa verdade, que para mim é absoluta, e nos afastando do conhecimento, do reconhecimento que, às vezes, só às vezes e talvez para só poucas pessoas, alguém pode ter mais qualidades a defeitos, ou menos defeitos somente.

Mas bons olhos nunca se enganam, são como narizes de cães treinados, farejam até a alma: suas emoções e estado de espírito. 

Talvez não exista; talvez aquele que você goste só esteja enterrando seu lado negro dentro de si mesmo. Muito mais profundo que a sete palmos, mais trancado que por sete chaves. Somente cada um sabe de suas reais intenções – seu egoísmo, sua mesquinhez, sua hipocrisia, sua maldade – e somente cada um sabe que nunca as mostrará a ninguém. Seja por vergonha ou por medo.

A vergonha sempre foi nosso inimigo número um. 

Talvez, somente por esse motivo, seja aceitável – admirável até – que nos amemos como Cobain uma vez disse: “acho que eu simplesmente amo as pessoas demais, tanto que chego a me sentir mal”.

Mas não, se fosse para ser assim, que fossem amados somente os personagens. De livros, de séries, de o que quer que fosse. Profundos, verdadeiros, amáveis, odiáveis, o que fosse. Jogo limpo, amo porque te conheço ou te odeio porque vos conheci.
 
Prefiro as coisas claras, mesmo que meu âmago seja tudo exceto isso. Gosto de saber no que estou me metendo, com quem estou convivendo, o que alguém está sentindo, onde estou errando, quem está errando. Não gosto das coisas caóticas, embaçada pela falta dos óculos adquiridos com o passar da vida, aqueles que te fazem perceber o que a pessoa sente de verdade, o que ela pensa. 

Não gosto das coisas como estão, das pessoas como são. Não foi uma decisão que tomei, não optei por isso, tampouco foi uma escolha. Ocorreu assim, sem eu querer, sem influência de terceiros.

Talvez quem me guiou a isso foi a decepção. Um dia a gente se cansa, se desgasta, desaprende a viver convencionalmente, um dia a gente morre por dentro, um dia a gente... Portanto, não me julgue por não conseguir perseverar, criar falsas esperanças, confiar. 
 
Eu sou um produto do meio, não o contrário. Antes fosse o contrário, talvez assim eu seria suficientemente feliz para dizer que não há motivos para odiar a espécie que se é. E eu acreditaria nisso porque se o meio fosse um produto de mim, viver não seria um inferno.