quinta-feira, 3 de março de 2011

Pg. 140, Para Sempre Teu, Caio F.

“(...) Era 29 de dezembro e ele descobriu que Clarice Lispector estava em Porto Alegre, autografando seu novo livro, ao vivo e em cores, numa estação de TV. Caio havia lido todos os seus livros e sabia tudo a respeito dela, mas não conhecia a musa. Para tudo o que está fazendo, vai lá e entra na fila de autógrafos:
Vi uma mulher linda e estranhíssima num canto. Estava toda de preto, com um clima de tristeza e santidade ao mesmo tempo, ela era absolutamente incrível. Me aproximei, dei os livros para ela autografar e entreguei meu Inventário.

Um amigo comum que sabia da fascinação de Caio por Clarice se oferece para apresentá-los, mas Caio, tímido e inseguro, vai fugindo de fininho por um corredor, como descreve depois, em carta:
Ela saiu na porta e me chamou – “Fica comigo”, pediu. Fiquei. De repente ela me olhou e disse que me achava muito bonito, parecido com Cristo. Tive 33 orgasmos consecutivos. 

Nessa noite, Caio e Clarice conversaram como velhos amigos. Além de compará-lo a Cristo, ela disse que ele lhe lembrava o Quixote e decretou, “Você é meu Quixote”, personagem de Cervantes sobre quem ele escreveria um belo monólogo no final da vida: O homem e a mancha. Falaram literatura, dos autores que ambos admiravam e conheciam, Caio saiu de lá com o telefone e o endereço dela no bolso: “Quando for ao Rio, me procure”, disse. Ele mal conseguiu dormir naquela noite. Ao chegar em casa, terminou de escrever a carta à Hilda: Nunca ninguém havia me impressionado tanto”, desabafou. Em 1971, sempre abandonando Porto Alegre atrás do lugar ideal para viver, e entusiasmado com a promessa (que não se cumpriria) de ver Clarice, Caio volta mais uma vez para o Rio de Janeiro. Vai morar em Botafogo, numa comunidade hippie. A contracultura estava no auge e ele, que colecionava atitudes revolucionárias, deixava crescer ainda mais o cabelo, usa túnicas indiana, experimenta mescalina, chá de cogumelos, maconha, como era de praxe na época, e naquele momento tudo parece fazer sentido conforme declarou numa entrevista:
Vivi como hippie no Rio de Janeiro durante um tempo. Cheguei a passar uma semana inteira sem fazer nada, sem comer – só tomando cafezinho e comprimido para passar a sensação de fome. Dormia na praia do Leme. De noite ia ao Conservatório de Teatro para fazer um curso sobre alquimia. Emagreci até ficar com 54 quilos. Mas foi muito bom. Nunca me senti tão feliz, tão seguro de mim.

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